Plataformas Online: Monopólios Prejudiciais ou Bons? (Parte 2)
Na newsletter da semana passada apresentamos um importante relatório, intitulado “Investigação da Competição nos Mercados Digitais”, desenvolvido pela Comissão do Senado dos Estados Unidos Sobre o Judiciário, e que examinou a dominância das empresas Amazon, Apple, Facebook e Google, e suas práticas de negócios para determinar como seus poderes afetam a economia e a democracia americanas.
Como apontado naquela oportunidade, o relatório faz uma radiografia bastante crítica destas empresas. Nesta newsletter vamos tratar das recomendações do referido relatório. Das 451 páginas do relatório, quase 30 (trinta) delas são dedicadas às recomendações, as quais foram divididas em três grupos, a saber:
A) Restaurar a Competição na Economia Digital: 1- Reduzir Conflitos de Interesse Através de Separações Estruturais e Restrições em Linhas de Negócios; 2- Implementar Regras para Prevenir Discriminação, Favoritismo, e Auto Preferência; 3- Promover Inovação Através de Interoperabilidade e Acesso Aberto; 4- Reduzir Poder de Mercado Através de Presunções de Fusões; 5- Criar um Mesmo Campo de Jogo para uma Imprensa Livre e Diversa; 6- Proibir Abuso de Poder de Barganha Superior e Requerer Processos Devidos;
B) Fortalecer Leis Antitruste: 1- Restaurar os Objetivos Antimonopólio das Leis Antitruste; 2- Revigorar Cumprimento/Aplicações para Fusões; 3- Reabilitar a Lei de Monopolização; 4- Medidas Adicionais para Fortalecer as Leis Antitruste;
C) Fortalecer a Aplicação do Antitruste: 1- Supervisão do Congresso; 2- Cumprimento/Aplicação das Agências; 3- Cumprimento/Aplicação ao Setor Privado.
Ao se fazer uma investigação mais cuidadosa sobre o desenvolvimento deste relatório tão crítico (particularmente as suas raízes históricas), observa-se uma verdadeira batalha travada por grupos de interesse relacionados com a questão do arcabouço regulatório norte-americano, particularmente aquele relacionado à arquitetura institucional da Defesa da Competição e das Leis Antitruste nos EUA.
Segundo artigo do Advogado Shaoul Sussman, o relatório tem as impressões digitais da Advogada Lina Khan (Academic Fellow da Columbia Law School) que serviu como conselheira durante a investigação que levou ao relatório. Segundo Sussman, antes de se juntar ao time que conduziu a investigação, Lina Khan produziu três artigos relacionados à reforma antitruste nos EUA: o primeiro diz respeito aos efeitos do arbítrio forçado e leis limitando classes de ações envolvendo o cumprimento de legislação antitruste ao setor privado; o segundo, critica um projeto que limita a análise do que se constitui dano competitivo (e o refoca quase exclusivamente para as variáveis de preço e produto), mais do que ao processo competitivo; e, o terceiro, foca nas separações estruturais e outros remédios preventivos legais que os pensadores do mainstream (pensamento dominante) jurídico consideram ser além do escopo das leis antitruste.
Aqui na Creativante nós defendemos que esse tipo de análise (de um enfoque jurídico observando, concentradamente, o desempenho “final” dos mercados das empresas em questão) ignora importantes aspectos das estruturas dos mercados onde empresas atuam, e da conduta decorrente das empresas nesses mercados. Ou seja, ao centrar seu foco numa “foto”, tal perspectiva ignora o “filme”, i.e., a trajetória dinâmica de como tais mercados emergem, estruturam-se, amadurecem, e são reconstituídos dos pontos de vista tecnológico, de inovação e de modelos de negócios.
Assim como os seres humanos, as empresas têm ciclos de vida. Elas emergem dentro de um dado contexto (as startups nos dias atuais), algumas conseguem escalar (as gazelas), e depois amadurecem, estabilizando-se na mesma atividade, até que um novo contexto (tecnológico, de inovação ou de modelo de negócio) surja, o que as levará a incorporar novas atividades, ou a sair do mercado em função de disrupção de seus negócios.
Neste sentido, é preciso que se incorpore nessa discussão a noção de “dominância transiente” ou “transitória”. As empresas citadas foram uma vez startups (entregando um valor novo à sociedade), encontraram oportunidades para escalarem (entregando valor), amadureceram (apropriando valor), e geraram novos valores (a partir da apropriação de um valor inicial) em atividades bem distintas daquelas que as originaram.
De um ponto de vista substantivo, existem sim os monopólios prejudiciais, que são aqueles que assediam seus competidores, e tiram vantagens dos consumidores pela ausência de opções de escolha. Mas existem os monopólios que entregam substantivos valores novos à sociedade.
Nesta Era Digital que estamos vivendo, podemos citar pelo menos quatro tipos de características de monopólios que emergiram essencialmente por fatores que são inerentes ao crescimento de empresas. Existem os monopólios por associação de marcas/brands, como é o caso da Apple, quando lembramos de equipamentos eletrônicos “fashion”. Existem os monopólios a partir de propriedade de tecnologia (garantida legalmente por Estados, como é o caso de patentes), e aqui podemos dar o exemplo de Google no mercado de busca. Existem os monopólios conquistados pelos “efeitos de rede” (propriedade fundamental do crescimento das plataformas online, também conhecidos como economias de escala do lado da demanda), e aqui podemos citar o Facebook, e sua rede WhatsApp. E, finalmente, existem os monopólios a partir das economias de escala do lado da oferta, como é o caso da Amazon, que por suas amplas infraestruturas logística e de serviços na cloud, consegue ofertar bens e serviços a custos bem reduzidos.
Em resumo, existem sim os monopólios prejudiciais, que devem ser regulados com o devido rigor, mas existem aqueles que entregam substantivo valor à sociedade, e, portanto, tal contribuição deve ser levada em consideração em qualquer juízo de valor sobre seu papel na economia e na sociedade. Ao afirmarmos isso, não ignoramos o fato de que desvios possam acontecer, e que, portanto, a regulação deve ser rigorosamente aplicada.
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre plataformas online, não hesite em nos contatar!
(PS: Pedimos desculpas pela newsletter alongada desta semana, mas a temática exigia um posicionamento como o que está aqui sendo defendido. Haveria ainda um outro conjunto de questões a serem tratadas — como a necessidade, hoje, dos norte-americanos preservarem a existência de empresas robustas para competirem com os equivalentes monopólios chineses e asiáticos. Mas deixaremos para outra oportunidade!