Immiserizing Growth (Crescimento Miserabilizador)
“Primeiro temos de fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo”. A história econômica do Brasil atribui essa frase ao ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto, o qual defendia, ainda nos anos 1960 (mas foi nos anos 70 que ela ganhou maior visibilidade) a prioridade dos investimentos em infraestrutura e na industrialização do país para, em seguida, avançar em ações de distribuição de renda.
Essa questão reconquista significado atualmente porque, depois de anos de recessão, vivemos novamente o mesmo dilema de 50 ou 60 anos atrás: ou seja, tal como outros países de renda média, o Brasil enfrenta o dilema entre “promover crescimento econômico através de transformação estrutural e crescimento da produtividade, ou promover crescimento inclusivo”.
E por que estamos trazendo esta discussão? Porque, como Nação, fizemos escolhas muito erradas no passado que nos levaram a um desenvolvimento com desigualdade e pobreza/miséria elevadas e persistentes. No século 20 o Brasil vivenciou uma transformação estrutural associada com o deslocamento de trabalhadores de setores menos produtivos (neste caso, agricultura) para setores mais produtivos (manufatura e serviços). Esta transformação estrutural foi o principal motor do aumento da produtividade entre 1950 e 1964. Mesmo entre 1964 e 1994, um período que viu crescimento menor em produtividade, a transformação estrutural ainda desempenhou um importante papel (Firpo, Pieri e Nogueira, 2020).
O que os autores acima observam é que a experiência brasileira parece sugerir que a transformação estrutural afeta a produtividade do trabalho, mas o crescimento inclusivo não é uma consequência óbvia deste processo. Segundo eles, nosso processo de industrialização não foi acompanhado por uma acumulação de capital humano, e isso se deveu ao sistema de substituição de importações, o qual criou oportunidades para o setor manufatureiro ao tornar os produtos estrangeiros mais caros para os consumidores, culminado em concentração de renda. Ou seja, nosso processo de industrialização gerou desigualdade, pobreza e miséria.
Tal análise nos leva a um novo livro intitulado “Immiserizing Growth: When Growth Fails the Poor” (Crescimento Miserabilizador: Quando o Crescimento Falha ao mais Pobre). Um crescimento miserabilizador ocorre quando o crescimento falha ou fracassa em beneficiar, ou prejudica, aqueles na base da pirâmide social. O livro desafia uma narrativa dominante (em alguns segmentos da academia) de que “o crescimento é bom para o mais pobre”, ao chegar a um melhor entendimento de quando, por que, e como o crescimento falha em relação aos mais pobres.
Tomando uma perspectiva disciplinar diversa, o livro combina a discussão de mecanismos deste fenômeno econômico perturbador, com dados empíricos em tendências de crescimento, pobreza, e indicadores de bem estar relacionados. Ele se apoia na economia política, na antropologia social aplicada, e em estudos de desenvolvimento, incluindo contribuições de especialistas nestes campos. Um número de enfoques metodológicos é representado, incluindo análise estatística de pesquisas familiares e dados cruzados de países, trabalho etnográfico detalhado, e análises de estudos de casos baseados em dados secundários. A cobertura geográfica em ampla, incluindo Bolívia, República Dominicana, Equador, Índia, Indonésia, México, Nigéria, China, Cingapura, e Coreia do Sul, com também análise cruzada de países.
Um aspecto a destacar do livro é que a análise de do IG — Immiserizing Growth tende a direcionar a atenção para mecanismos causais, os quais não são sempre consensuais. Por isso, os autores do livro fazem a distinção entre dois conceitos: failed inclusion (inclusão fracassada) e active exclusion (exclusão ativa). A literatura tradicional de crescimento inclusivo tem enfatizado o primeiro conceito, enquanto as contribuições de IG tendem a mudar a atenção para o segundo conceito.
A inclusão falha ou fracassada é principalmente sobre o incompleto espalhamento dos processos benéficos, enquanto a exclusão ativa é sobre o espalhamento de malefício/prejuízo, e/ou fracasso em preveni-lo. Os autores, no entanto, clarificam que eles não estão dizendo que exclusão “ativa” significa processos excludentes que resultem de atos intencionais ou ação. Como eles discutem, a ausência de ação, os “não-atos”, são frequentemente parte integral da sequência de eventos que levam ao malefício. Ou seja, exclusão ativa denota os efeitos de processos malévolos, e não que tais processos resultem de ação.
A pandemia que estamos atravessando está deixando bem claro esta questão da exclusão ativa. Quando observamos a precária infraestrutura de saúde do país, que nossos hospitais públicos estão desequipados, nosso capital humano na área está despreparado para emergências mais graves, não temos medicamentos adequados nem vacinas suficientes, e por aí vai, constatamos o quanto difere a “atenção” aos mais abastados dos menos abastados. E quando somos “forçados” a um distanciamento e a um isolamento social, e constatamos (alguns) que podemos “trabalhar em casa”, vemos que nossa infraestrutura digital é frágil, cara e não está disponível à maioria da população.
Em resumo, fizemos péssimas escolhas nas últimas décadas; o que aspiramos é que passemos a fazer, a partir de agora, boas escolhas (que não sejam mais “ativamente excludentes”) olhando para o futuro!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre crescimento miserabilizador, não hesite em nos contatar!
Firpo, Sergio; Renan Pieri, e Rafaela Nogueira (2020). Inclusive growth without structural transformation? WIDER Working Paper 2020/58. United Nations University.