Digitalização dos Pagamentos e Moedas

Jose Carlos Cavalcanti
4 min readJul 6, 2020

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Na semana que passou teve lugar uma reunião do US Senate Banking Committee on Banking, Housing, and Urban Affairs (Comitê do Senado Americano de Atividade Bancária, Habitação e Assuntos Urbanos) sobre “A Digitalização da Moeda e Pagamentos”. Isso demonstra que a questão da digitalização da moeda e pagamentos evoluiu daquela que já vinha sendo tratada no Poder Executivo (marcadamente no Banco Central dos EUA), e agora está sendo avaliada pelo Poder Legislativo daquele país.

O que vamos dar destaque nesta newsletter é que enquanto o tratamento da transformação digital da “Economia Real” está avançando bem (na teoria e na prática), no que diz respeito à “Economia Monetária” ainda estamos “na superfície” das questões envolvidas (ou ainda não se chegou a um consenso sobre elas). Como sabemos que essas “duas economias” estão intimamente interligadas (tanto pela riqueza e pela renda, quanto pela taxa de juros), equilibrar o estoque e o fluxo de conhecimento em ambas é vital para que o processo de transformação digital dessas duas dimensões da Economia se manifeste de forma eficiente e sustentável.

A Creativante começou a tratar publicamente sobre a transformação digital da Economia Real a partir das newsletters de 08/10/2017 e 15/10/2017, e em outras oportunidades. O tratamento na Economia Monetária se iniciou a partir das newsletters de 28/10/2019, 03/11/2019, 17/11/2019 e 08/12/2019. Mas o verdadeiro catalisador internacional da junção das discussões em ambas dimensões da Economia veio a ser a proposta do Facebook (uma big tech do segmento de plataformas digitais) de lançar a Libra (uma proposta de sistema de pagamentos) em junho de 2019.

De forma bastante sintética, a discussão no Poder Executivo dos EUA pode ser aqui representada, de um lado, pelos trabalhos (dentre outros que vamos tratar aqui oportunamente) publicados no livro “Measuring and Accounting for Innovation in the Twenty-First Century”, que foi liderado por alguns economistas ligados à Economia Real dentro do Banco Central americano, e, de outro lado, os trabalhos (dentre alguns que também iremos tratar aqui neste espaço) que vem sendo defendidos por Lael Brainard (Member of Board of Governors of the Federal Reserve System, ou seja, Conselheira do Conselho de Governadores do Banco Central americano) representam a ala da Economia Monetária. Em palestra apresentada num simpósio da Stanford Graduate School of Business, Brainard deu destaque às oportunidades da digitalização dos pagamentos e da moeda, bem como aos riscos associados a esta tendência.

A discussão no Poder Legislativo ainda está no seu início, mas na reunião do Comitê do Senado aqui referida, foi apresentada a proposta intitulada “The Digital Dollar Project”. Tal proposta (apesar de abrangente) contém um viés de origem: ela se ampara fortemente na dimensão real economia (e, na economia norte-americana em particular, e em sua recente transformação digital), mas se vale apenas da “institucionalidade” do sistema monetário, esquecendo de levar em consideração as nuances da dinâmica da economia monetária, bem como da emergente e complexa arquitetura que vem se delineando a partir dos avanços das tecnologias de informação e comunicação -TICs..

Neste último aspecto, é oportuno assinalar a importante contribuição inicial dada a esta discussão pelos economistas Markus K. Brunnermeier, Harold James e Jean-Pierre Landau, em trabalho intitulado “The Digitalization of Money” (A Digitalização da Moeda). Neste trabalho os autores argumentam que a presente revolução digital pode levar a um afastamento radical do modelo tradicional de troca monetária. Eles veem um desmembramento/separação dos papeis da moeda (meio de troca, reserva de valor, e unidade de conta), criando uma competição acirrada entre moedas especializadas. Por outro lado, as moedas digitais associadas aos grandes ecossistemas de plataformas podem levar ao remembramento/reaglutinação do dinheiro onde serviços de pagamentos são empacotados com um leque de serviços de dados, encorajando diferenciação, mas desencorajando interoperabilidade entre plataformas.

As moedas digitais, segundo os autores, podem também causar uma convulsão no sistema monetário internacional: países que são social e digitalmente integrados com seus vizinhos podem enfrentar a dolarização digital, e a prevalência de sistematicamente importantes plataformas pode levar à emergência de áreas de moedas digitais que transcendem as fronteiras nacionais. Por fim, argumentam que a Central Bank Digital Currency (CBDC) assegura que a moeda pública permaneça uma relevante unidade de conta.

Na opinião da Creativante, os economistas acima levantam um excelente conjunto inicial de questões para serem tratadas nesta junção das discussões da digitalização da dimensão real e da dimensão monetária da Economia. Mas ainda precisamos considerar uma série de outras questões. E uma que vem ganhando importância é a reação da China a esses movimentos de digitalização da moeda e dos pagamentos. Recentes informes da mídia internacional (aqui e aqui) dão conta de que a China está construindo sua infraestrutura de Banco Central Digital, lutando para se tornar o líder mundial no desenvolvimento de moeda digital e de meios de pagamentos, contando com o poder de fogo de suas gigantes plataformas digitais.

Em resumo, estamos apenas no início dessas discussões. Voltaremos a aprofundar aqui as questões que se mostrarem mais relevantes, e que digam respeito às oportunidades e desafios para o Brasil e para as tecnologias de informação e comunicação — TICs.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre a digitalização dos pagamentos e das moedas, não hesite em nos contatar!

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