A Cashless Society (Uma Sociedade Sem Dinheiro — em papel ou moeda)?
Circula em alguns grupos do WhatsApp o link para um vídeo super interessante sobre os avanços recentes da China (intitulado “New Money: The Greatest Wealth Creation Event in History (2019) — Full Documentary”), publicado em julho do corrente ano, e que já conta com mais de 2,5 milhões de visualizações.
O vídeo, com pouco mais de uma hora de duração, é uma apologia ao progresso econômico recente da China, e um registro de onde estão surgindo imensas oportunidades de geração de riquezas, sintetizadas pelo título do vídeo (New Money — Novo Dinheiro). Curiosamente, um dos fatos que sobressaem do vídeo é o de que um dos resultados desse progresso sem precedentes (por sua velocidade e extensão) aponta que a sociedade chinesa está se tornando uma “Cashless Society”, uma sociedade onde o dinheiro (em papel ou moeda metálica como conhecemos) está deixando de existir em função dos avanços tecnológicos e de novos modelos de negócios.
A ideia de uma sociedade que faça suas transações econômicas “sem dinheiro/moeda” não é nova. Desde as sociedades primitivas, é sabido que o escambo, permuta, troca direta ou, simplesmente, troca é a transação, ou contrato, em que cada uma das partes entrega um bem ou presta um serviço para receber da outra parte um bem ou serviço.
O que a China está mostrando ao mundo é uma “cashless society”, ou uma sociedade com uma nova forma de dinheiro? O que a China está sinalizando é que com os avanços em tecnologias de informação e comunicação — TICs, e com o surgimento de poderosas plataformas online, tais como Alibaba e Tencent (já discutidas aqui nas newsletters de 23/09/2018, 25/11/2018, por exemplo), os chineses não estão usando mais dinheiro/moeda na forma tradicional para fazerem suas transações econômicas básicas; ou seja, quase tudo hoje na China é mediado por simples e amigáveis aplicativos de software em smartphones, sem a necessidade mesmo de cartões de débito/crédito, dispensando todo o aparato bancário/financeiro que nos acostumamos a conviver nas últimas décadas.
Esta constatação nos remete a uma questão mais complexa que também está emergindo a partir dos mesmos avanços em TICs: afinal, o que é o “digital money” (dinheiro digital)? Recente trabalho, intitulado “The Rise of Digital Money”, desenvolvido por Tobias Adrian e Tommaso Mancini-Griffoli, ambos técnicos do International Monetary Fund- IMF, inicia da seguinte forma:
“Alipay. Libra. M-Pesa. Paxos. Stablecoins. Swish. WeChat Pay. Zelle. Todos, e muitos outros, estão crescentemente em nossas carteiras como consumidores e em nossas mentes como policymakers. Mas como deveríamos pensar sobre essas novas formas de dinheiro? Elas são dinheiro, e isso importa? Elas irão trazer benefícios pela rápida adoção? Se sim, quais seriam as implicações, no setor bancário para começar — onde o dinheiro é costumeiramente criado e gerenciado hoje? E como os bancos centrais deveriam reagir? Há uma oportunidade para se beneficiar dessas rápidas transformações, ou somente uma necessidade de regulação?”
Neste sentido, este trabalho se apresenta como um primeiro passo para lidar com estas questões. Dada sua complexidade, ele limita o escopo da análise e não se aventura no domínio normativo. Sua meta é oferecer um framework conceitual para categorizar novas moedas digitais, identificando alguns de seus riscos, pensando sobre suas implicações, e oferecendo algumas opções de políticas para bancos centrais considerarem. O foco é principalmente na interação entre novas formas de dinheiro e o setor bancário; logo, na estabilidade financeira e na proteção ao consumidor.
O trabalho defende que as duas formas mais comuns de dinheiro hoje irão enfrentar uma competição dura e podem mesmo ser superadas. Dinheiro e depósitos bancários irão batalhar com o e-money, valor monetário eletronicamente armazenado denominado em, e atrelado a, uma unidade de conta comum tais como o euro, dólar, ou renimbi, ou uma cesta destes. Formas de e-money crescentemente populares são as stablecoins (moedas estáveis). E-money pode ser mais conveniente como um meio de pagamento, mas questões surgem sobre a estabilidade do seus valor.
Os bancos sentirão a pressão a partir do e-money, mas deverão estar aptos a responder ao oferecer serviços mais atrativos ou produtos similares. Os bancos centrais mundo afora irão desempenhar um importante papel em modelar este futuro.
Na próxima newsletter iremos continuar neste tema, tratando sobre os diferentes modelos de moeda digital estudados no trabalho aqui discutido, e vamos apresentar o framework conceitual dos autores para comparar tais modelos e contrastá-los.
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre novas formas de dinheiro/moeda, não hesite em nos contatar!